quinta-feira, 6 de setembro de 2012

As minhas olheiras


Eu pergunto se está tudo bem e sempre está. Eu pergunto se é ruim e é sempre bom. Tudo é azul, fofo, divertido e lindo quando na verdade eu preferiria que fosse cinza, normal, entediante e verdadeiro. Eu me corto e não sangro, eu me jogo do décimo sétimo andar e não me machuco. As coisas não são assim. O desespero, a tristeza, as minhas olheiras, as incertezas são físicas, humanas. Não existe só felicidade em um sorriso, só tristeza em uma lágrima, nem só paixão nos olhos de quem ama.

Eu preciso da histeria, do exagero, preciso desidratar a alma até que ela me faça sentir alguma coisa, mesmo que seja a pior possível. Eu gosto disso. Eu gosto de caminhar pesado, soberbo e com uma ponta de água nos olhos pelas ruas, gosto da minha amiga preocupada que me vê chorar, rir e chorar de novo na mesa do restaurante. Tudo isso me faz sentir vivo, cheio.

As pessoas debocham de quem sofre, de quem reclama, de quem prefere o cantinho nos fundos porque nunca sangraram e sempre estiveram ocupadas demais compartilhando sobre a perfeição de qualquer coisa na mesa do bar, quando, na verdade, leem livros de autoajuda trancadas no banheiro, quando, na verdade, nunca sentiram.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Monólogo de dois


- Amor, ainda tem leite na geladeira?
- Vem cá, este quadro tá ficando bom? Não gostei desse verde frio, ma dá uma sensação de felicidade.
- To com vontade de pedalar ouvindo aquela música que você me mostrou.
- Esses nachos estão incríveis! – Mas isto é taco, amor.
- Acho que precisa de mais verde.
- Por que tanto preto no seu guarda-roupa?
- Se importa se eu ficar te olhando aparar a barba?
- Vou comer este último pão de queijo, tem certeza que não quer?
- Fiquei com preguiça desse filme grego.
- Eu gosto do nosso silêncio.
- Como é mesmo o nome daquela sua amiga que dá aula de dança burlesca e ainda vive na década de oitenta?
- Tá lindo o seu quadro.
- Você comeu o pão de queijo?
- Coloca mais verde aqui.
- Posso beijar o seu pinto?
- Comi.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O desbotado da vida

Amizades são como partes do corpo que perdemos e ao longo da vida reencontramos, aos poucos, acidentalmente. São como parentes que escolhemos ter. É tudo como pintar um quadro com as tintas certas, com certeza dos efeitos de cada pincelada, sabendo em que momento a tela branca da sua rotina vai precisar daquele marrom clarinho, perfeito quando só precisamos desabafar.

Infelizmente em algumas situações não dá pra misturar essas tintas porque elas já são resultados de muitas outras misturas, chegando ao tom ideal. Misturar é perigoso porque o quadro pode acabar se tornando vazio, um ready made de cores sem sentido, sem conceito, sem vida, incapaz de ocupar qualquer espaço da imensa parede de concreto cinza que é a minha vida. Eu misturei.

Posso parecer um esposo psicopata que segue o marido no caminho de casa, mas é assim. Eu gosto quando converso com Pedrinho e sinto uma sensação única, porque com ele eu falo mais sobre sexo e adoro ouvir as suas histórias de quando ele se relacionava à três. Com joãozinho eu falo sobre arte, ele é crítico e sempre tem resenhas próprias decoradas sobre todos os álbuns da última semana. A Vânia é a minha amiga dos conselhos, sempre fala exatamente o que eu preciso ouvir, sem nenhum filtro verbal - outro dia ela disse que o meu relacionamento à distância não passa  de falta de sexo.

Os atrativos são diferentes e é exatamente isso que me encanta, cada cor no seu espaço. Quando Pedrinho, Joãozinho e Vânia se conhecem, eles começam a ter internas entre si, começam a marcar cinemas, começam a arght. É quando o Pedrinho bobo e sensato fica fútil e efusivo. Joãozinho inteligente e visionário fica vazio e desinteressante. É quando estar com Vânia é como estar com qualquer outra pessoa e é mais atrativo comprar um livro de autoajuda a esperar pelos seus conselhos.

Pronto, o quadro está feio, os seus amigos não passam de bibelôs empeirados numa estante velha. Você se sente frustrado, quase pronto para derramar toda as tintas na pia e nunca mais passar naquela papelaria. 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Existe uma biscat dentro de você


- Biscat alternativa: adora fun, sua diva é a florence, assina revistas de maquiagem, posta textos da tati bernardi no facebook e frequenta festinhas de bandas cover dos strokes e los hermanos desde 2005.

- Biscat pirigótica: sempre de batom preto e cabelo raspado do lado, adora aparecer com cara de bebada nas fotos da balada lixo, é fã da alice glass , tem dois gatos e posta fotos de hematomas no tumblr.

- Biscat tropical: tem uma coleção de vestidos floridos, adora o rio de janeiro e copia todos os looks da zooey deschanel, fica toda derretida com as músicas do best coast, usa uma lomo pra fotografar o céu, frequenta galerias de arte e tem um namorado com cara de roqueiro hippie.

- Biscat hype: super antenada na cena musical da suécia, decora todas as resenhas da pitchfork, tem um tumblr minimalista de art noveu, é fã de grimes e discoteca nas festinhas fechadas no apto da amiga rica.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Dane-se a sensatez


Era a oitava apresentação da noite. O barulho da empolgação das pessoas se misturava ao barulho dos outros quatro shows que aconteciam ali, numa simultaneidade que incomodava pela rapidez com que todo mundo passava por mim, deixando a sensação de que ali não era o melhor lugar para ficar.

Eu não esperava,  já havia me conformado em vê-lo apenas a cada duas horas e logo perdê-lo de vista, tendo que aguardar os astros o trazerem de volta para que pudéssemos trocar sorrisos disfarçados novamente.

E que disfarce, ele disfarça desinteresse olhando pra baixo, ele disfarça a falta de um agasalho com uma jaqueta jeans surrada, ele incomoda disfarçando o desenho dos seus lábios com uma barba laranja que irrita de tão sexy. Ele irrita. Irrita porque eu não precisava, eu não precisava perder horas achando que aquela janela do Gtalk é a coisa mais importante do meu dia, eu não precisava achar que agora a minha felicidade depende de um avião, eu precisava achar que estou sendo insensato em não parar por aqui e eu não quero parar,  eu não quero parar de querer arrancar todos os seus botões apenas com o que eu posso dizer através do teclado.

Eu tenho medo. Medo de você passar como um trêm desgovernado e atropelar a minha alma. Eu tenho medo de ser um saquinho frágil de bolinhas de gude e de você me abrir, deixar as minhas bolhinhas correrem cada uma para um canto do mundo e entrarem pelas valetas do universo. E eu nunca mais conseguir me juntar do jeito que sou agora. Eu tenho medo de nunca mais ouvir Trouble e sentir que aquele refrão deveria durar três vezes mais.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Troco órgãos por cubos de gelo

18 anos e uma coleção riquíssima em pessoas que simplesmente se foram. Algumas eu comemorei, com largos sorrisos e longas tragadas de nicotina, já outras se foram deixando crateras a nível dos alpes holandenses, como ladrões que passaram numa moto e arrastaram parte dos meus órgãos, num assalto ao restante de esperança em um dia compartilhar ao menos uma lágrima com alguém.

O organismo sempre reage. Reage cobrindo todo o restante vivo com uma camada sólida de gelo impermeável, tão eficaz quanto meia dúzia dessas vacinas que oferecem por ai. O resultado de tudo isso é uma existência gélida. O barulho das árvores balançando com o vento me emociona mais que a fome na África, o oitavo segundo de Pass This On me arrepia mais que a morte de um parente, a cena em que a Charlotte canta num karaokê em Tokyo me excita mais que qualquer grafismo muscular.

Talvez um dia eu olhe para todas aquelas fotos em sépia e sinta uma pontada na nuca por não ter insistido mais. Até lá, eu prefiro acreditar que nenhum sentimento é capaz de preencher o tamanho do buraco que eu me tornei. Não consigo sofrer porque sofrer seria menos do que eu sinto.  Ela preferiu me enterrar juntos aos seus dois gatos.